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Novas suspeitas podem alterar acordo de Cid, mas impacto político é baixo

Bolsonaro cumprimenta Mauro Cid antes de interrogatório no STF - Ton Molina/STF
Bolsonaro cumprimenta Mauro Cid antes de interrogatório no STF Imagem: Ton Molina/STF
do UOL

Do UOL, em São Paulo

14/06/2025 05h30

A prisão do ex-ministro Gilson Machado e a revelação de uma conversa atribuída a Mauro Cid podem fazer com que o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro perca os benefícios negociados no acordo de delação premiada, mas devem ter baixo impacto político, na opinião de especialistas consultados pelo UOL.

O que aconteceu

Se confirmadas, tentativa de emitir aporte e mensagens sobre delação não devem invalidar provas. Advogados dizem que os dados fornecidos só poderiam ser desconsiderados no processo se fossem falsos ou tivessem sido obtidos de forma forçada, o que não aconteceu.

Mesmo que delação caísse, denúncia se manteria com indícios reunidos na investigação. Para criminalistas, depoimentos, mensagens e outros dados obtidos são suficientes. O advogado criminal Pedro Bueno de Andrade lembra ainda que o inquérito é anterior à delação, que apenas catalisou trabalhos.

Apesar de provas seguirem válidas, especialistas creem que Cid pode perder benefícios negociados com Ministério Público. Para eles, a possibilidade de fuga —caso o aporte tivesse sido emitido— e de quebra do sigilo da delação —nas supostas mensagens— justificariam a medida.

Suposto plano de fuga não tem relação com conteúdo de colaboração premiada. "Caso tenha havido a tentativa, isso não tem ligação com a delação. Se esse plano for comprovado, ele pode perder os benefícios", diz Beto Vasques, professor de estratégia de comunicação política da FESPSP. Ele afirma ainda que ainda que fique comprovado que Cid mentiu em algum aspecto, que o processo todo fica sob suspeição.

Delações de Cid são parte de um processo amplo, ressalta o professor. "As provas encontradas no celular dele continuam existindo, há outras versões como a do general Freire Gomes que corroboram a delação de Cid."

Acordos de delação têm regras. Em geral, o colaborador não pode sair do país até o fim do processo nem conversar com terceiros sobre conteúdo revelado. O de Cid previa, por exemplo, pena máxima de até 2 anos para crimes que, pela lei, podem render mais de 40 anos de prisão.

Expectativa no meio jurídico é de que réus acusados de tentativa de golpe sejam condenados. A qualidade dos indícios reunidos pela investigação combinada às condenações dos envolvidos no 8 de janeiro são fatores para a crença.

Cid foi ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL). Tenente-coronel do Exército, ele é acusado de participar de uma tentativa de golpe de Estado que envolveu o ex-presidente e outros membros do governo no fim de 2022. O caso é julgado pelo STF (Supremo Tribunal Federal).

Impacto político

Atos de ex-ministro Gilson Machado momentos antes da prisão tiveram viés político. Segundo Vasques, o aliado e amigo de Bolsonaro estava em Natal (RN). De Natal, o aliado voltou para Recife (PE), onde foi preso. "Ele buscou se distanciar do Bolsonaro, ser preso ao lado dele deixaria uma má impressão."

Suposto plano de fuga de Cid poderia ter efeitos políticos sobre Bolsonaro. "Ao invés de macular a delação de Cid, poderia recair sobre Bolsonaro a suspeita de ter agido para mantê-lo longe e para isso ter contado com o apoio de Machado", analisa Vasques, que também é diretor do Instituto Democracia em Xeque.

Para Vasques, diversas perguntas estão sem respostas ainda. Mas um ponto tem especial relevância: Gilson Machado teria se articulado para emitir aportes para Cid com o conhecimento do ajudante de ordens de Bolsonaro? "Há a possibilidade de ele ter atuado sozinho, sem combinar o jogo com Cid", diz.

Delações de Cid são parte de um processo amplo, ressalta o professor. "As provas encontradas no celular dele continuam existindo, e há outras versões, como a do general Freire Gomes, que corroboram a delação de Cid".

Moraes não deve atrasar inquérito, avaliam

Risco de atraso é perto de zero, diz especialista. Na avaliação de Vasques, o processo de investigação da trama golpista não corre risco de atraso. "Pelo que vimos até agora temos um ministro que opera na 'marcha cinco'", em referência a Moraes.

Atraso do processo pode ocorrer se STF entender que Cid omitiu informações, avalia cientista política. Segundo Deysi Cioccari, que também é diretora do Instituto Tria, as suspeitas postas sobre Cid fortalecem a narrativa de dúvida de Bolsonaro. Para ela, atrasos no processo podem ser capitalizados pelo ex-presidente para experimentar alianças e palanques políticos para 2026.

Bolsonarismo tentará desviar o foco, diz Cioccari. "Eles tentarão deslocar o foco da investigação do delatado para o delator", diz ela. "Isso centraliza o debate na testemunha e não no crime, é uma ótima narrativa para os bolsonaristas".

Força ao argumento de "delações frágeis", diz cientista política. Segundo ela, Bolsonaro e filhos deve "alimentar narrativa de que o processo se sustenta em colaborações frágeis" e gerar desgaste institucional.

Eventual atraso beneficiaria Lula indiretamente, analisa. Isso porque, na avaliação dele, enquanto Bolsonaro não é julgado o processo de definição do nome da direita e extrema-direita para 2026 fica travado.

Redes bolsonaristas devem se aproveitar das suspeitas. "A narrativa bolsonarista vai se aproveitar para colocar a delação de Cid em xeque", diz Vasques.

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