'Retórica' de Bolsonaro é posta à prova para atenuar pena de prisão no STF
Especialistas em direito penal avaliam que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) busca reduzir penas de uma possível condenação apelando para o argumento de que ataques às urnas foram fruto de "retórica" e não configuram tentativa de golpe de Estado.
O que aconteceu
"Retórica" é usada para minimizar ataques. Em depoimento ao STF (Supremo Tribunal Federal) marcado por tom comedido nesta terça, Bolsonaro buscou minimizar as acusações de que liderou tentativa de golpe de Estado e tratou como "retórica" os ataques às urnas eletrônicas e a ministros da corte.
Bolsonaro busca convencer STF de que conversar sobre golpe não é crime. Para especialistas ouvidos pelo UOL, depoimento mostrou que seus advogados tentam diminuir a gravidade das imputações feitas ao ex-presidente para obter uma redução da pena, em caso de condenação, ou até conquistar um voto divergente na Primeira Turma para aumentar chances de recorrer da sentença.
Para STF, conspiração no fim do governo Bolsonaro configura tentativa de golpe, independentemente do desfecho. O entendimento é que condutas como a pressão sobre chefes das Forças Armadas e o apagamento de trocas de mensagens ocorridas no período são indícios do cometimento do crime, que agora é julgado pela Corte. Nesse sentido, o fato de o grupo não ter derrubado o governo Lula (PT) não faz com que o que aconteceu deixe de ser considerado criminoso.
Especialista avalia que defesa de Bolsonaro busca "redução de danos". Helena Lobo da Costa, professora de direito penal da USP, afirma que ficou claro no depoimento que a estratégia dos advogados é conseguir uma pena mais baixa. Um dos caminhos para isso seria conquistar a absolvição do ex-presidente por algum dos crimes pelos quais ele se tornou réu.
Bolsonaro responde por cinco crimes que, somados, podem chegar a 46 anos de prisão. Ele foi denunciado pela PGR (Procuradoria-Geral da República) por organização criminosa armada; tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito; golpe de Estado; dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima; e deterioração de patrimônio tombado.
Na avaliação de Helena, o tom mais brando de Bolsonaro no depoimento acenou ao ministro Luiz Fux. Ao pedir desculpas ao ministro Alexandre de Moraes e até "convidá-lo" para ser vice em 2026, ex-presidente mirou voto contrário de Fux, que já mostrou discordâncias públicas com o tamanho das penas de condenados pelo 8 de Janeiro.
Plantar divergência para colher votação em plenário. Uma divergência de Fux sobre a sentença de Bolsonaro abriria chances de o caso ser julgado no plenário, onde a pena poderia ser revisada.
Especialista avalia que Bolsonaro busca contenção de danos política, e não jurídica. Ao mirar voto de Fux, o ex-presidente busca discurso para dizer que sua possível condenação não foi consenso. "Para que ele tenha, politicamente, um argumento para dizer que não foi condenado por unanimidade", afirmou Fernando Neisser, doutor em direito penal pela USP.
"Se ele convence o tribunal que cogitar golpe de Estado não é crime, consegue absolvição", afirma Davi Tangerino. Para o professor de direito penal da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), a defesa quer mostrar que discutir golpe não é crime. "Se a gente só pensou, olhou e viu que não dava, mas não tomou nenhuma medida concreta rumo ao golpe, e só fica na cogitação, não tem crime", explicou Tangerino.
Ex-comandante da Aeronáutica disse que Bolsonaro consultou chefe das Forças Armadas sobre apoio ao golpe. Em depoimento ao STF como testemunha, Carlos Baptista Júnior relatou que o ex-presidente apresentou a minuta durante reunião em novembro de 2022, e o documento tinha o objetivo de impedir a posse de Lula. Ao tomar contato com o teor do texto, o brigadeiro disse que se recusou a recebê-lo e foi embora do encontro.
Para especialista, não houve "grande inovação" em relação a provas. Especialista em direito público e professora da PUC-PR, Juliana Bertholdi acredita que o depoimento do ex-presidente buscou apontar que "nunca houve uma intenção real de golpe" e que um golpe seria "abominável", numa tentativa de humanizá-lo. "É difícil saber o que se ou na cabeça da equipe de defesa, não sei se era necessariamente sensibilizar os ministros, mas talvez de reforçar a narrativa de que nunca houve uma insurgência de fato", diz ela.
Tudo dentro da Constituição. Bolsonaro afirmou ter debatido "alternativas dentro da Constituição" com chefes das Forças Armadas após as eleições de 2022, como decretar estado de sítio, mas disse que as conversas sobre as medidas logo foram abandonadas. "Nós buscamos alguma alternativa na Constituição e achamos que não procedia e foi encerrado", declarou.
Ex-presidente foi ambíguo ao responder sobre "minuta do golpe", mas minimizou gravidade do documento. Quando questionado por Moraes se tinha sido apresentado a uma minuta, Bolsonaro disse que queria ter tido o ao documento. Depois de o ministro responder que ela estava nos autos, Bolsonaro afirmou que isso "foi colocado numa tela de televisão e mostrado de forma rápida ali [na reunião]". Disse ainda que não conversou sobre a minuta e que foi "bater um papo apenas".
Também negou ter "enxugado" a minuta para manter somente a prisão de Moraes. Assim, o ex-presidente contrapôs o depoimento do ex-ajudante de ordens Mauro Cid, que disse ao STF que Bolsonaro editou o documento para retirar a previsão de prisão de outras autoridades do Legislativo e do Judiciário, para deixar expresso que apenas Moraes seria encarcerado.